"A vigilância sobre os impactos da tecnologia na profissão contábil e o nosso compromisso de ajudar na construção da ponte necessária para transpor os desafios da realidade atual e conduzir a classe a um futuro promissor. Este é o foco principal que vai nortear as nossas ações à frente do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) durante os anos de 2020 e 2021. Todas as variáveis que possam contribuir, direta ou indiretamente, para garantir que os contadores continuem a prosperar neste mundo digital – e não apenas sobrevivam a ele – estarão entre as prioridades da nossa gestão.
Temos ciência de que as repercussões da atual transformação tecnológica global podem ser ainda mais extensas do que as da Revolução Industrial – que se iniciou na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII, e se espalhou depois pela Europa, promovendo mudanças nos sistemas de produção das oficinas artesanais para organizações industriais e causou impactos profundos na política, economia e sociedades da época. A revolução deste século XXI, que vem sendo impulsionada pelas novas tecnologias da informação e comunicação, tem a característica de já nascer globalizada, de ser rápida e profunda, atingindo empregos e educação, especialmente a profissional, e alcançando aspectos político-econômicos, culturais e sociais.
No entanto, está na hora de aceitarmos que nada mais será como antes, ou seja, as transformações trazidas pelas novas tecnologias já estão presentes em nosso dia a dia de trabalho e irão ocupar, gradativamente, espaços hoje preenchidos por profissionais sem as habilidades necessárias a este novo mundo.
Mas, ao contrário das previsões alarmistas, divulgadas apressadamente, dando como certo um futuro distópico de desemprego maciço, a profissão contábil não está em via de extinção. Se a revolução digital dos dias atuais representa um risco para uma parte dos trabalhadores, para outros apresenta chances de evolução, de transformação, de superação e de progresso no trabalho. Esse é o caso da nossa profissão, e a busca pelas habilidades e competências demandadas pelo mercado atual pode garantir essa conquista.
Pra se ter uma ideia, a Contabilidade continua com perspectiva de alta no mercado de trabalho americano. Segundo a publicação atualizada do manual com perspectivas das ocupações (Occupational Outlook Handbook), do U.S. Bureau of Labor and Statistics, a área de Contabilidade e Auditoria aparece na 19ª posição entre os empregos mais promissores para a próxima década, nos Estados Unidos, com a estimativa de 146.000 vagas anuais até 2028 e taxa projetada de crescimento de 6,4% até aquele ano. Trata-se do mercado de trabalho americano, mas isso é um bom sinal também para os demais países.
De acordo com a publicação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) The OECD’s Skills Outlook – Thriving in a Digital World (Outlook Skills 2019 – Prosperando no mundo digital), um conjunto de aptidões se tornou fundamental para se alcançar os benefícios trazidos pelas tecnologias modernas, envolvendo competências digitais básicas e habilidades para lidar com números e com resolução de problemas. Isso pode significar, para muitas pessoas, que apenas o diploma de nível superior não vai mais garantir as habilidades necessárias ao mercado de trabalho.
O documento da OCDE conclui também que as novas tecnologias estão mudando a forma como os trabalhos são realizados e, em consequência, surgiram exigências, como maior mobilidade e capacidade de treinamento e aperfeiçoamento constante. O organismo internacional estima que 14% dos empregos dos países membros da OCDE (http://www.oecd.org/) enfrentam alto risco de serem automatizados e que outros empregos (32%) sofram mudanças substanciais em termos de quantidade e qualidade das tarefas.
O Brasil não está entre os 35 países membros da OCDE – embora mantenha reiterados esforços nesse sentido –, e não há estimativas exatas sobre o percentual de empregos nacionais com alto risco de automatização. Porém, independentemente das estatísticas, não há dúvida de que é imperativo que os profissionais, de todas as áreas, procurem aprimorar os seus conhecimentos para enfrentar os desafios do mercado de trabalho.
Nosso papel
Enquanto entidade responsável, entre outras coisas, por salvaguardar as prerrogativas e garantir o exercício da profissão aos que são legalmente habilitados e registrados nos Conselhos Regionais (CRCs), o CFC, com o apoio dos CRCs, pode ajudar os profissionais da área a aproveitarem a janela de oportunidades que foi aberta pelo avanço dos algoritmos, que agora estão entrando rapidamente em domínios dependentes de reconhecimento de padrões e tarefas cognitivas não rotineiras.
O sistema CFC/CRCs já vem atuando, há vários anos, para construir uma cultura de aprendizado contínuo, oferecendo alternativas de melhoria da qualificação profissional. A preocupação com a atualização da classe, inclusive, institucionalizou-se e tornou-se requisito indispensável para o exercício, a partir da criação do Programa de Educação Profissional Continuada (PEPC), instituído pela Lei n.° 12.249/2010, que alterou o Decreto-Lei n.° 9.295/1946. Essa prática também é adotada por entidades de classe de vários países, como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e outros.
Por meio desse Programa, uma parcela crescente de profissionais da contabilidade brasileiros é obrigada a comprovar, pelo menos, 40 horas de participação anual em cursos credenciados no Programa de Educação Profissional Continuada. A intenção do CFC é estender o PEPC, gradualmente, aos mais de 500 mil profissionais registrados e ativos no mercado.
Para dar um exemplo da dimensão que esse Programa vem ganhando, em 2018, 33 mil profissionais comprovaram participação nos cursos credenciados. Já em 2019, esse número saltou para 85 mil. Atualmente, há 967 organizações capacitadoras, que oferecem mais de 1.300 cursos pontuados pelo PEPC.
Além disso, o CFC e os CRCs estimulam a atividade de Educação Profissional Continuada (EPC) para todos os contadores e técnicos visando expandirem, voluntariamente, seus conhecimentos. São realizadas ações como convenções, seminários, encontros e outros eventos técnicos para estimular o desenvolvimento de competências e habilidades demandadas pelo mercado. Em 2019, foram realizados 3.152 eventos pelo Sistema CFC/CRCs, que contaram com a participação de 167.680 profissionais da contabilidade.
A propósito, este ano será realizado, de 15 a 18 de novembro, em Balneário Camboriú (SC), o 21º Congresso Brasileiro de Contabilidade (CBC), que acontece a cada quatro anos. Trata-se de uma oportunidade “de ouro” para a atualização de conhecimentos, para participar de discussões técnicas com especialistas, para estimular a criatividade e melhorar a comunicação em interações com outros profissionais da área. Entre as habilidades necessárias para esses atuais-novos tempos, está a capacidade de se conectar e manter uma rede de contatos, on-line e off-line, porque não basta ter as competências e aptidões demandadas, é preciso que as pessoas saibam disso.
Outra iniciativa do Conselho Federal de Contabilidade é a edição da Revista Brasileira de Contabilidade (RBC), um periódico técnico-científico que é disponibilizado aos profissionais, gratuitamente, e traz conteúdo de alta qualidade. Da mesma forma, a Revista de Educação e Pesquisa em Contabilidade (REPeC), mantida pela Academia Brasileira de Ciências Contábeis (Abracicon) – entidade parceira do CFC –, publica estudos científicos que podem contribuir para a expansão do conhecimento técnico e auxiliar na aquisição das habilidades atuais demandadas pela profissão.
Há ainda outro projeto do CFC, realizado em conjunto com os CRCs, que visa, diretamente, a contribuir para o aperfeiçoamento do conhecimento técnico dos profissionais da área. Trata-se do Programa Excelência na Contabilidade, que concede apoio institucional e financeiro para projetos acadêmicos, como cursos de pós-graduação stricto sensu, principalmente em regiões onde não havia oferta. Em 2019, foram concedidas subvenções, por meio do Programa, aos CRCs do Piauí (doutorado), Acre (mestrado), Sergipe (mestrado) e Tocantins (doutorado).
Também buscando a adequada formação profissional, o CFC mantém, há anos, com o Ministério da Educação (MEC), uma parceria para análise de processos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos na área de Contabilidade. Em 2019, o MEC encaminhou ao CFC 43 processos para análise.
Em se tratando da qualidade dos cursos de Ciências Contábeis, não poderíamos deixar de falar do Exame de Suficiência, que vem cumprindo a sua função – conceder o registro somente a aqueles que têm condições técnicas de exercer a profissão – desde que foi instituído pela Lei nº n.° 12.249/2010. Nas duas edições do ano passado, 69.332 fizeram as provas e somente 23.787 foram aprovados. Esses números são sintomáticos de um sistema de ensino superior que precisa de melhorias.
Monitorar e antecipar tendências
Nesse mundo globalizado e superconectado, onde “oceanos azuis” são cada vez mais raros, as organizações de classe têm uma responsabilidade a mais, que é estar um passo à frente no tempo, para que as suas categorias profissionais estejam preparadas para absorver os impactos das mudanças de forma assertiva.
Uma estratégia essencial à sobrevivência de qualquer entidade, atualmente, é fazer e estreitar parcerias com outras, nacionais e internacionais, para somar forças e superar escassez das mais diferentes ordens.
Essa política já vem sendo utilizada pelo CFC há várias gestões e, em função disso, hoje podemos garantir que a contabilidade praticada no Brasil está entre as mais modernas do mundo.
Nesse sentido, destaco como especialmente relevante a parceria do CFC com a Federação Internacional de Contadores (Ifac, na sigla em inglês). Em 2019, a Ifac alterou seu modelo dedicado à educação contábil e criou um painel permanente, constituído por 22 profissionais, vindos da academia e do mercado, de várias partes do mundo, para prover aconselhamento estratégico, além de auxiliar no processo de edição e revisão das normas. O CFC está representado nesse Fórum e, dessa forma, tem acesso às discussões, em nível global, sobre as tendências que estão em iminência de se tornarem realidade e que podem atingir a profissão.
Outro aspecto que nos coloca em posição parcialmente mais confortável diante das turbulências dos dias atuais é que a parceria com a Ifac e com o Comitê Internacional de Normas Contábeis (International Accounting Standards Board – Iasb) nos levou a conduzir, no Brasil, o processo de adoção e implementação das normas internacionais de contabilidade (International Financial Reporting Standards – IFRS), expedidas pelo Iasb; das Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (International Public Sector Accounting Standards – Ipsas) e das Normas Internacionais de Auditoria (International Standards on Auditing – ISA), editadas por comitês independentes mantidos pela Ifac. Também fizemos a atualização do Código de Ética Profissional do Contador, baseado no Código Internacional de Ética para Contadores Profissionais, elaborado pela Ifac.
Isso tudo nos ajuda a estar preparados para o mercado global. Agora, o desafio é nos adaptarmos à transformação digital no mundo dos negócios, a qual está fazendo uso da tecnologia para modificar processos, transações, cultura e experiências adquiridas.
Durante a reunião do Comitê de Desenvolvimento das Organizações de Contabilidade Profissionais (PAO, na sigla em inglês) da Federação Internacional de Contadores, realizada no final de 2019, os membros chegaram à conclusão de que, para que os contadores sejam vistos como consultores de confiança, que trabalham com foco no interesse público, é essencial que suas ações sejam ancoradas nos princípios da integridade, objetividade, competência profissional e zelo na condução das atividades, confidencialidade e comportamento profissional. (acesse o documento AQUI)
Independentemente da revolução em curso, esses princípios são fundamentais. Não podem mudar. Nunca.
Sejamos todos protagonistas do processo evolutivo da classe.
Um excelente futuro a todos!"
Artigo de Zulmir Ivânio Breda
Presidente do CFC