Com a inflação corroendo o poder de compra e sem atualização das bases tributárias, brasileiros e pequenas empresas acabam pagando mais impostos — mesmo sem mudanças na lei. O alerta é de Hamilton Chandoha, mestre em Administração e Gestão Financeira e integrante da Comissão CRCPR Contábil, Fiscal e Tributário, em entrevista ao CRCPR Online. Autor do artigo “A Correção Monetária das Bases Tributárias e o Princípio da Neutralidade Fiscal”, Chandoha defende que a falta de atualização de índices como do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) e do teto do Simples Nacional representa uma perda silenciosa de renda e competitividade, especialmente para micro e pequenas empresas. Ele explica que a simples correção pela inflação não configura renúncia de receita, mas sim uma recomposição necessária para garantir justiça fiscal e neutralidade econômica.
CRCPR Online: Em análise ao Art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), as proposições de reajuste de base de cálculo são consideradas “renúncia de receita” e, portanto, requerem medidas de compensação. No entanto, em seu artigo, o senhor afirma que, segundo a “doutrina e a jurisprudência”, a mera correção monetária pela inflação de tais bases não acarretaria adoção de medidas de compensação. Dado que o poder público, diferente da iniciativa privada, somente pode fazer o que a lei determina, como sugere o governo atualize as bases de cálculo do adicional do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), do Simples Nacional e do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) e se mantenha em conformidade com a LRF sem aplicar medidas de compensação?
Hamilton Chandoha (HC): A atualização monetária das bases de cálculo não pode ser considerada “renúncia de receita”, mas apenas a recomposição do valor original corroído pela inflação. A LRF exige compensação apenas quando há redução real de arrecadação. No caso da correção, o governo não abriria mão de tributo, apenas impenderia que a inflação aumentasse a carga sem lei nova. Assim, a atualização pode ser feita por ato normativo do Executivo, com base em índices oficiais (como o IPCA), desde que seja neutra em termos fiscais e acompanhada de relatório técnico da Receita Federal demonstrando ausência de impacto orçamentário.
CRCPR Online: O projeto de lei 1.087/2025 propõe taxar lucros e dividendos, enquanto o reajuste do IRPF é tratado como “renúncia de receita”. Por que o senhor considera essa posição incoerente?
HC: A incoerência está em tratar de forma desigual duas medidas que, na prática, têm efeitos opostos. O Projeto de Lei (PL) 1.087/2025 cria um novo tributo, IR sobre lucros e dividendos, nesse caso aumentando a arrecadação, enquanto o reajuste do IRPF apenas tem efeito de corrigir a defasagem causada pela inflação. Chamar essa recomposição de “renúncia” é distorcer o conceito de neutralidade fiscal. Não se trata de dar benefício, mas de impedir um aumento disfarçado de imposto sobre o trabalhador, que teria benefício apenas se tivesse ganho real e não inflacionário. O governo, portanto, não perde receita ao atualizar a tabela, apenas devolve o poder de compra que a inflação retirou. Na verdade, devolve um direito!
CRCPR Online: O senhor afirma no artigo que, se o teto do Simples Nacional fosse corrigido pela inflação desde 2018, ele estaria hoje em R$ 6,38 milhões. O que essa defasagem de R$ 1,5 milhão causa para as micro e pequenas empresas? Como isso “força empresas para regimes mais caros” e qual é o impacto no crescimento e na contratação?
HC: O teto do Simples Nacional congelado em R$ 4,8 milhões faz com que empresas que apenas mantiveram o mesmo faturamento real de 2018 “estourem o limite” e sejam obrigadas a migrar para o Lucro Presumido ou Real, regimes mais complexos e caros. Essa mudança aumenta a carga tributária efetiva em cerca de 20%, reduz margens e desestimula a formalização, sem contar que quem permanece no Simples passa por alíquotas maiores. Muitas deixam de contratar ou fragmentam operações para permanecer no Simples. A correção do teto para R$ 6,38 milhões, isso em relação a 2018, defasagem que é maior se considerar o início do regime, apenas manteria o equilíbrio original, sem ampliar benefícios nem gerar renúncia fiscal, preservando a competitividade das micro e pequenas empresas.
CRCPR Online: O artigo menciona a “erosão da neutralidade” e o “aumento da carga tributária real”. Em linguagem simples, o que significa para o cidadão comum, ou para o dono de uma pequena empresa, o fato de a tabela do Imposto de Renda e o teto do Simples Nacional não serem corrigidos pela inflação?
HC: Quando a tabela do Imposto de Renda e o teto do Simples não são corrigidos, o cidadão e o pequeno empresário pagam mais sem perceber, perdendo o poder de compra. Um salário que antes era isento passa a ser tributado; uma empresa que fatura o mesmo em termos reais passa a pagar mais imposto. É como se a inflação criasse aumentos automáticos de tributo. Isso é a “erosão da neutralidade”: o Estado arrecada mais sem mudar a lei. Para o contribuinte comum, isso significa menos renda disponível, menor capacidade de investimento e um sistema que penaliza quem apenas tenta acompanhar o custo de vida.
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