*Artigo dos contadores João Eloi Olenike e Luiz Carlos de Souza, coordenador e integrante da Comissão para Assuntos Contábeis, Fiscais e Tributários
Preliminarmente, é preciso saber se você, nosso leitor, já ouviu falar, ou viu alguma coisa sobre o METAVERSO. Em caso negativo, não se preocupe, porque logo isso irá acontecer.
O QUE É O METAVERSO?
O Metaverso está sendo anunciado como a próxima iteração da Internet, onde serão suportados novos ambientes virtuais em 3D (três dimensões) permanentes, onde experiências virtuais publicamente acessíveis, com conteúdos em tempo real e outras mídias relacionadas estão conectadas e podem ser acessadas via RV (rede de transações eletrônicas e venda de serviços pré-pagos) e, também, através de dispositivos clássicos como PC (Personal Computer) e aparelho celular. Uma nova versão internética, denominada Web3, imersiva, onde os usuários se encontram em espaços virtuais, se apresentam como avatares e compartilham objetos também virtuais, podendo inclusive serem comercializados, por meio dessa nova tecnologia.
Em assim sendo, o futuro, onde se previa que aconteceriam muitas transações econômicas, em plataformas virtuais, aporta definitivamente na vida das pessoas, através dos negócios.
Hoje já temos, de forma inicial e superficial, oferta do ambiente Metaverso, principalmente na área de lazer, sendo que as transações mercantis ainda são esporádicas. Mas o que acontece hoje poderá ser, num futuro bem próximo, uma forma de negócios muito difundida em todo o planeta.
COMO FUNCIONARÁ?
Por se tratar de uma forma de operação, que ainda não está definitivamente implantada em todo o mundo, existem muitas dúvidas a respeito de sua estrutura e operacionalização. Mas já se pode dizer que existe uma ampla possibilidade de ocorrerem transações econômicas, tanto no comércio, como na prestação de serviços, efetivadas em cripto moedas, feitas em plataformas virtuais, por pessoas, através da utilização de seus avatares, que vão gerar negócios externos ao mundo real.
HAVERÁ INTERFERÊNCIA FÁTICA NO MUNDO REAL?
Em um primeiro momento, na fase virtual do comércio ou prestação dos serviços, essa resposta será negativa, mas a partir do momento em que as transações forem monetizadas, com precificação e cobrança das operações na moeda oficial do país destinatário, obrigatoriamente haverá a emissão de documentos fiscais, criando-se, nesse momento, o negócio jurídico e na maioria dos casos, o fato gerador de tributos, que pode se transformar ou não em recolhimento, dependendo do poder discricionário do Estado, em gravar ou isentar essas atividades, assim como uma revisitação nas leis existentes no campo jurídico e tributário, quanto à sua aplicação, bem como provável criação de novas normas, que sejam aplicadas nesse novo formato de comunicação e negócios, se necessário.
CONSEQUÊNCIAS CONTÁBEIS E TRIBUTÁRIAS
Com franca certeza, podemos afirmar hoje que estamos diante de um impasse existencial de novos formatos de negócios e que será motivo de estudos aprofundados, para se verificar como serão essas consequências.
Diante do que se sabe hoje e do que está sendo apresentado aqui sobre o assunto, procura-se um enquadramento desses futuros acontecimentos – que tanto interessam ao Direito e à Contabilidade – dentro dos preceitos dessas duas ciências.
ASPECTOS CONTÁBEIS E TRIBUTÁRIOS
Como é sabido no mundo negocial, de um lado se tem a ciência contábil, que procura demonstrar a realidade dos negócios, as movimentações patrimoniais e, de outro, a legislação tributária, que busca obter as receitas derivadas (tributos) para atender as necessidades dos entes arrecadadores. Portanto, uma se pauta dentro de um contexto de ciência e a outra se pauta na capacitação da arrecadação, visando promover o bem-estar da sociedade.
Logo, entre o direito legal dos entes federativos de se buscar arrecadação e a aplicação prática da ciência contábil, independentemente das operações mercantis ocorrerem num ambiente digital, isso já acontece naturalmente, há muitas décadas, no ambiente físico.
O fato de as operações contábeis estarem suportadas pela Contabilidade, ajustadas para efeitos de arrecadação, é uma prática rotineira, em nosso ordenamento jurídico e tributário, visto ordinariamente, quando se adiciona ou se exclui contas contidas na opção pelo Regime do Lucro Real. Poderia se inferir que seria uma espécie de “descortinamento” das operações contábeis realizadas em uma organização, diante do resultado contábil, fazendo ajustes, para atender a legislação fiscal.
Da mesma forma, quanto à tributação que possa legalmente ser aplicada às empresas optantes pelo Lucro Presumido, Lucro Arbitrado ou Simples Nacional, em relação às operações comerciais no âmbito digital, que mereçam dispositivo legal, sendo só uma questão de formalização de leis pelos entes arrecadadores responsáveis.
Ressalte-se, também, que as organizações que façam suas opções tributárias pelo Lucro Presumido, Arbitrado ou Simples Nacional, a própria legislação tributária em vigência exerce seu direito arrecadatório por meio de aplicação de percentual sobre a receita bruta da organização, por um formato de cálculo simples de arrecadação, considerado como se fosse um “lucro estimado”, sem entrar no mérito da ciência contábil.
Dessa maneira, respeitada a legislação federal que trata dos Regimes Tributários já citados e do Simples Nacional (Lei Complementar), às inovações das operações aplicadas ao ambiente digital, estará sujeita, principalmente aos entes Estaduais, Distrito Federal e Municípios, quanto ao fato gerador que aponte para o ICMS, ou para o fato gerador que aponte para o ISS.
É importante também ressaltar que o fato gerador do tributo pode ser diferente do fato gerador contábil, novamente, pelos diferentes interesses da operação: uma contábil, fazendo o reconhecimento e mensuração inicial (regime de competência); outra tributária, exercida por lei (hipótese de incidência tributária) e quando concretizado o fato gerador, enseja o surgimento da obrigação tributária. Ainda que o fato gerador na operação possa ocorrer em momentos diferentes, ambos devem atender leis e normas de procedimentos complementares.
Nas operações que envolvam industrialização, comercialização ou prestação de serviços, a legislação contábil tem encaminhamento para registros contábeis em inúmeras situações, inclusive para as do ambiente digital - Metaverso - ainda que, na operação inicial, a transação financeira seja realizada em moeda estrangeira. Para tanto, a mensuração da operação deverá ser convertida de moeda estrangeira para a moeda brasileira. Da mesma forma, esse procedimento deve ser adotado quando a operação acontecer com criptomoedas, índices etc. para a moeda nacional, o real.
Desde o reconhecimento e mensuração de uma operação pelo custo histórico, valor original, até pelo registro do valor da “essência sobre a forma”, ajustes a valor presente, a contabilidade detém esse conhecimento dentro do contexto mundial.
A real questão, como já comentado, reside especificamente no campo jurídico, especificamente o tributário, onde salvo melhor juízo, países com legislação mais simples adotam, para fins de tributação, no campo dos serviços, o conceito econômico mais simples, ao invés do jurídico, que pode demandar muitos questionamentos, visando à salvaguarda legal dos envolvidos. A pergunta que se faz aos legisladores no âmbito da federação (União, Estados e Municípios) é se existe um propósito de facilitar ou dificultar a atuação de quem deseja trabalhar num negócio empresarial social que traga prosperidade à nação.
Por meio da Portaria nº 9 do Ministério da Educação (MEC), em 23/01/2008, através da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), estabeleceu-se que as áreas de Ciências Contábeis, Direito, entre outras áreas, fazem parte das Ciências Sociais Aplicadas.
A área de Ciências Sociais Aplicadas reúne campos interdisciplinares do conhecimento, voltados para os aspectos sociais das diversas realidades humanas.
Diante disso, os objetivos dessa área são: procurar entender quais são as necessidades da sociedade e, também, quais são as consequências de viver em sociedade. São as Ciências Sociais Aplicadas que acompanham o caminhar das civilizações, que criam empresas e, consequentemente, os negócios.
Adam Smith, em sua obra a Riqueza das Nações (1776), citando a “Neutralidade Tributária”, aduz que “o sistema tributário não deve influenciar a evolução natural da economia”, ou seja, a competitividade, decisões, comportamento do contribuinte/consumidor, são inerentes às pessoas e aos negócios. Em regra, o Fisco serve-se dos resultados dos negócios, via arrecadação, mas não deve provocar interferência nos negócios.
Cabe ressaltar, ainda, que algumas operações do ambiente digital (criptoativo) se dão de forma descentralizada, não podem funcionar, segundo a Receita Federal, como moeda de curso legal. Isso significa que o criptoativo não pode ser usado para quitar dívida pública ou privada e nem obrigações financeiras como pagar multas e tributos.
Finalmente, acredita-se que a área tributária busque soluções a toda essa gama de operações do ambiente digital, assim como a área contábil, questionando-se: “a tributação seria do ambiente digital ou a tributação seria no ambiente digital”, dentro do universo “metaverso”?
João Eloi Olenike – Contador (CRC/PR nº 19.271); Bacharel em Direito, Perito Judicial Professor de Pós-graduação nas áreas de Contabilidade, Perícia, Planejamento Tributário, Presidente do IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação e Membro da Academia de Ciências Contábeis do Paraná.
Luiz Carlos de Souza – Contador (CRC/PR nº 23.326); Mestre em Ciências Contábeis e Atuariais; Especialista em Administração Financeira; Bacharel em Direito, Professor de Graduação e Pós-graduação nas áreas de Contabilidade, Direito, Planejamento Tributário, Membro da Academia de Ciências Contábeis do Paraná.
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