:: Governar é criar impostos ? |
Diz a lenda
estrangeira que o Brasil encerra o expediente antes das festas de fim
de ano e só reabre depois do Carnaval. Como este ano o Carnaval
cai na última semana de fevereiro, só voltaríamos
ao batente em março.
Trata-se de velho preconceito com elevada carga de racismo, inventado pelos europeus que aqui vieram com a finalidade explícita de enriquecer, explorando mão-de-obra barata, e que ainda hoje não aceitam a perda da força do trabalho escravo. É uma hipocrisia também, já que quem diz isso goza férias cada vez mais longas. A jornada de trabalho européia é, hoje, menor do que a brasileira, por força da globalização e do desemprego em massa. O que mais surpreende, no entanto, é a classe dirigente do País revelar um pensamento afinado com esse mito difamante, ao impor medidas intragáveis, durante o período de descanso da maioria dos brasileiros. As alterações da Lei 10.833, por exemplo, foram sancionadas entre o Natal e o Ano Novo, exatamente no dia 29 de dezembro. Elas determinaram, entre outros absurdos, a não-cumulatividade da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), aumentando significativamente a alíquota sobre o faturamento e a cobrança do imposto sobre produtos importados. Sóbrias estimativas prevêem que somente essa alteração resultará em aumento da arrecadação de pelo menos R$ 9 bilhões este ano. Por que medidas deste tipo são impostas em períodos de descontração? Como podemos relaxar em tais circunstâncias? Fazendo parte do setor de serviços, os contabilistas se sentem particularmente indignados com a regra que obriga as pessoas jurídicas não optantes do Simples a reterem uma taxa altíssima para a Cofins, a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição para o Programa Social – PIS/Pasep. Principalmente porque muito lutamos e não conseguimos optar pelo Simples. Importa lembrar que o setor de serviços é o que mais cresce no país. É o que mais trabalha, gera empregos. Não pára. Não apenas nossas merecidas férias ficam comprometidas com o sistemático aumento de tributos, como somos literalmente desmotivados a empreender. A maioria dos brasileiros acreditou que o atual governo faria as reformas estruturais que o País precisa com o objetivo de superar os quadros críticos e incentivar o crescimento. A reforma tributária – vital nesse sentido - não passa de um remendo no sistema com o objetivo claro de ampliar a arrecadação. Os dirigentes brasileiros ainda vão celebrizar a máxima de que governar é criar impostos. Este modo de pensar não vem de hoje: a carga tributária do País saltou de 10% do PIB, em 1900, para 36%, em 2000. O Brasil é um dos países que mais tem impostos no mundo. Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, incluindo tributos federais, estaduais e municipais, nossa carga tributária aumentou 433,76%, no período de 1986 a 2001, enquanto o PIB cresceu apenas 236,88%. No ano passado, a arrecadação somou R$ 273,358 bilhões – aumento de 12,49% sobre 2002. Este ano ocorrerá novo recorde. Somente em janeiro, a coleta rendeu R$ 28,170 bilhões. Além de arcar com os pesados tributos, a exemplo dos demais contribuintes, os contabilistas são obrigados a assimilar as burocracias decorrentes de novos procedimentos para apurar a parafernália de impostos, taxas, contribuições. São leis, decretos, portarias, instruções normativas, regras que mudam toda semana. Somos nós que fazemos os cálculos dos tributos e apresentamos os valores aos contribuintes, ouvindo desabafos que deveriam ser ditos aos governos. Por que temos que continuar suportando isso? O Congresso Nacional e o governo federal acabam de desperdiçar mais uma oportunidade de oferecer ao País um sistema tributário alinhado com as exigências do mundo em franco processo de globalização. Não foi falta de discussão e de sugestões. A classe contábil, que lida diariamente como elo entre o contribuinte e o fisco, fez o seu exercício de cidadania, debatendo e apresentando um modelo moderno de sistema tributário, capaz inclusive de absorver a massa imensa de brasileiros que vivem na informalidade da economia, contribuintes em potencial. O governo engavetou, na verdade, as suas próprias promessas. Esqueceu que não se incentiva o crescimento aumentando im-postos, não se reduz a pobreza com programas demagógicos, não se resolve problemas estruturais com soluções superficiais. Enquanto isso, milhares de brasileiros continuarão desempregados, milhares de famílias continuarão passando fome, vivendo de esmolas, morando em áreas insalubres e violentas. Segundo o IBGE, 12,9% da nossa população (21,7 milhões de pessoas) têm renda insuficiente até para as necessidades alimentares básicas e 35% (57,7 milhões) têm rendimento abaixo da linha da pobreza. Como é possível tirar férias, até mesmo dormir tranqüilo, diante de tudo isso? Maurício Fernando Cunha Smijtink |
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