:: CRÔNICA
A viúva de rendas brancas
Morreu
Zezinho e Matilde assumiu os negócios sabendo que a tarefa não seria
pouca, afinal, deixar o tanque e cuidar dos caminhões era um desafio; mas
ela enfrentou a realidade e se pôs a trabalhar. Necessitava, contudo, de
alguém que acompanhasse as prestações de contas dos motoristas,
cuidasse dos pagamentos de despesas, da apuração do lucro, etc.
Chegando
em casa encontrei-a chorosa, a conversar com minha mãe. Estava à
procura de alguém que pudesse socorrê-la naquele momento e assim,
recebi a proposta: trabalharia nos sábados à noite e nos domingos
de manhã, para manter em dia a escrita da semana. Na verdade, seria um
bico, pois não podia pagar salário completo.
Nos
meus dezessete anos e no terceiro de Escola Técnica, relutei, afinal, perderia
o melhor do sábado e a saída das missas de domingo. Entre as ponderações,
o dinheirinho extra falou forte e acabei por aceitar o emprego. Ao me apresentar
para o trabalho no primeiro sábado, ela manteve a casa com as portas e
janelas escancaradas - precaução com as línguas da vizinhança,
que poderiam dizer coisas - uma viúva com um garotão chama sempre
atenção.
O
trabalho transcorreu sem dificuldade e a minha freqüência regular deixou
de interessar aos faladores. Terminada a tarefa, apresentava-lhe os caixas, relatórios,
cheques, resumos e com eles tomava a decisão. Matilde era sensata e de
bom gênio, além do que nada entendia de contabilidade. Encantava-se
com os relatórios que eu fazia; e isso nos aproximou de forma a me sentir
útil e ela mais segura na condução dos negócios.
O
problema era os retratos do marido dispostos nas paredes a me perseguir. Para
onde eu ia, ele me acompanhava com um olhar soturno, sondando meus gestos e atitudes,
e assim correu o tempo.
Numa tarde, encontrei a casa fechada: "Por causa do vento" - imaginei. Bati e ela ordenou que eu entrasse, pois estava a se banhar. As paredes estavam nuas, marcadas apenas com os retângulos mais claros dos quadros retirados. Mal peguei os papéis, ela chegou vestida com um roupão e uma toalha na cabeça, cumprimentou-me e sorriu. Devolvi. Sentou-se perto e senti seu perfume de sabonete. Sua face estava rósea e seus olhos brilhavam.
Estranhei
o comportamento, pois nunca a tinha visto sem o negro de viúva. Apanhou
a máquina de somar, dedilhou as teclas, puxou a manivela, olhou os números
desinteressadamente. Colocou a mão sobre a minha e disse:
-Tenho um
presente para você.
Levantou-se,
foi à cozinha e logo voltou com fatias de bolo.
-É
de chocolate, gosta?"
-Sim,
obrigado - respondi.
Seus
olhos faiscaram e aí percebi como era bela a viuvinha. Linda, de
mãos ágeis, corpo bem feito, olhos turquesa. Comi o bolo em dois
bocados.
-Obrigado,
está ótimo o presente!
-
Não é esse o presente, bobinho...
Então,
desfez-se do turbante e desatou o laço do roupão deixando-o entreaberto.
Estendeu os braços e disse:
-
Vem ver seu presente.
Um
calafrio desceu pela minha espinha. O desejo aceitou a oferta e aproximei o rosto,
ao que ela ofereceu seus lábios para o nosso primeiro beijo. Um sabor adocicado
envolveu nossas línguas e, assim, agarrados e ofegantes, deixamos pelo
corredor a toalha, o roupão e minha camisa.
-Esse
é o seu presente - disse. E me mostrou a camisola curta, branca, de rendas,
que envolvia seu corpo amorenado, deixando aparecer a pele em pontos e pontos
e ocultando-a em outros, seduzindo meu olhar e propiciando momentos de magistral
beleza.
Como fazer para tirar uma camisola? Devia fazê-lo puxando-a para cima? A dúvida era cruel, mas me mantive senhor da situação. Naquela ânsia misturada com desejo, segurei-a com um forte abraço e me pus a beijá-la no pescoço e nas orelhas, ao que ela enlouquecida gemeu forte; e aí, devagar, desprendi uma das alças da peça... e depois a outra... e a camisola começou a descer, deslizando pelo seu tronco e pondo à mostra o colo, os seios, o ventre. Então, diante daquela maravilha, constatei que ser contabilista tem lá suas vantagens.
Renato Benvindo Frata é contador, advogado e professor universitário em Paranavaí, PR.